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Ongs Americanas Acusam Papa De Minimizar Casos De Pedofilia

By Fabiola Ortiz
BBC Brasil
September 24, 2015

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150923_pedofilia_igreja_fo_ab

Na opiniao de ativistas, papa Francisco deveria ser mais enfatico sobre casos de pedofilia na Igreja

Organizacoes da sociedade civil norte-americanas acusam o papa Francisco de negligenciar casos de abuso sexual de criancas e adolescentes cometidos por religiosos e defendem a abertura dos arquivos do Vaticano com a divulgacao de nomes dos acusados em todo o mundo.

"O papa nega o quao serio e o problema e minimiza a situacao. Ele nega que criancas continuam sendo violadas", disse a BBC Brasil Barbara Blaine, fundadora da organizacao SNAP (sigla de Survivors Network of those Abused by Priests), uma rede que reune vitimas de abusos cometidos por padres criada no final dos anos 80 nos Estados Unidos e em outros paises.

"Na verdade, ele nem deveria se ocupar disso, deveria mandar os casos para que a policia investigasse", afirmou ela.

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A grande esperanca de vitimas nos Estados Unidos e que o papa aborde este tema quando fizer seu discurso nas Nacoes Unidas na sexta-feira (25) e nas missas que realizara durante sua visita.

Na quarta-feira (23), em pronunciamento feito na Catedral de Sao Mateus Apostolo, em Washington, Francisco pediu aos bispos americanos que trabalhem para que os escandalos nao se repitam.

"Sei o quanto pesou sobre voces a ferida dos ultimos anos e acompanhei o seu generoso empenho para curar as vitimas e trabalhar para que tais crimes nao acontecam nunca mais", declarou o pontifice argentino.

Para Barbara Blaine (ao microfone), casos de pedofilia deveriam ser revelados e levados a policia

Mas, para a ativista Blaine, Francisco deveria ser mais enfatico sobre o tema. "Queremos que faca a diferenca e tome uma atitude, nao mais palavras. As palavras nao vao proteger as criancas. Queremos que os arquivos sejam abertos, os padres punidos e os casos levados a policia", defendeu.

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E a primeira viagem de Francisco aos Estados Unidos – ele e quarto papa a desembarcar em territorio norte-americano. Espera-se que seu discurso na ONU aborde temas de direitos humanos e meio ambiente.

Muitos guardam com grande expectativa a possibilidade de o papa se encontrar com vitimas de pedofilia. A Missao Permanente de Observacao da Santa Se na ONU nao confirmou se esse compromisso esta na sua agenda.

Marco zero

Na opiniao de Anne Barret Doyle, uma das diretoras da organizacao Bishop Accountability, que documenta desde 2003 casos de violacoes sexuais na Igreja Catolica, o papa Francisco nao podera fugir do tema.

"Os EUA sao o marco zero dos escandalos de abusos sexuais. Ele tera que tocar fundo no tema apesar de o encontro com vitimas nao estar no seu programa oficial. Nao tem como vir aos EUA e nao tratar disso. O que esta em questao e se ele realmente fara alguma acao significativa", disse a BBC Brasil.

Em junho, Francisco anunciou que criara um tribunal para julgar por "abuso de poder" bispos que acobertaram padres denunciados por crimes sexuais contra menores. Os casos serao julgados por uma secao judiciaria a cargo da Congregacao para a Doutrina da Fe, o braco do Vaticano para doutrinamento.

Publico visitou a Trinity Church, ponto turistico catolico de Nova York, as vesperas de visita do papa

Esta foi, segundo Doyle, a unica medida anunciada por Francisco desde que assumiu o papado em 2013 para amenizar a que considera ser uma "crise epidemica".

"Ainda e so uma ideia, nao virou realidade. Existe apenas a promessa. Para mim o que existe e uma catastrofe, uma crise epidemica, pois estamos falando de crimes cometidos e acobertados pela instituicao mais poderosa do mundo. A Igreja Catolica e uma instituicao global que continua a permitir que padres culpados permanecam trabalhando. E talvez a unica no mundo que autorize que pedofilos continuem exercendo suas funcoes", criticou.

De acordo com a ONG Bishop Accountability, os dados oficiais da Igreja nos EUA indicam que 6,4 mil padres foram acusados de pedofilia entre 1950 e 2013.

"Pensamos que este numero e subestimado e pode chegar a 10 mil. Ja no mundo, e impossivel saber quantos padres abusaram de criancas. Estimamos que (foram) cerca de 69 mil, entre padres e religiosos, desde a decada de 50."

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A Congregacao para a Doutrina da Fe reune, desde 2003, todas as acusacoes de abuso sexual contra criancas comprovadas verdadeiras. Ja sao 3,4 mil padres considerados culpados pela Igreja.

"Mas nao sabemos quantos religiosos sao de fato punidos e que tipo de punicao recebem. Sob as leis canonicas, o bispo e quem decide e muitas (punicoes) sao apenas uma advertencia por escrito", ressaltou Doyle ao defender maior transparencia por parte do Vaticano.

Papa pediu, nos EUA, que bispos atuem para evitar novos escandalos; ativistas acham pouco

Na sua opiniao, o sigilo sobre quem sao os pedofilos pode aumentar o risco de novos casos.

"A Igreja nao esta alertando os fieis sobre quem sao os criminosos. Deveriam publicar a lista com os nomes de todos os acusados e dos considerados culpados. Da forma como estao fazendo, nao estao trabalhando com transparencia. O papa Francisco nao esta sendo mais transparente em relacao aos papas anteriores", diz Doyle.

Relatos de vitimas

Barbara Blaine, a mesma que preside a rede de vitimas sobreviventes de abusos SNAP, contou sobre o seu caso: ela foi violada por um padre quando tinha 12 ou 13 anos, mas so comecou a buscar ajuda aos 29.

"Eu era muito devota e acreditava no bispo, mas me custou anos para ver que o bispo nao estava querendo me proteger, ele estava acobertando o caso e permitiu que o autor do crime continuasse abusando de mais criancas."

"Nunca vou saber como seria a minha vida se nao tivesse sido violada sexualmente. Estava tao frustrada porque os oficiais da Igreja nunca me ajudaram. Busquei grupos de autoajuda e comecei a localizar novas vitimas", descreveu.

SNAP, grupo de vitimas do qual os ativistas da foto fazem parte, diz ter 21 mil pessoas cadastradas

As estatisticas mostram que a idade media em que uma vitima vai buscar ajuda e de 42 anos.

"A maior parte das vitimas de abuso sexual nao tem a coragem de contar ou fazer denuncias. Aqui nos EUA, os bispos tem tanto poder que influenciaram a mim e a meus pais a nao levarmos a queixa para a policia", disse Blaine. "Levei sete anos ate decidir levar o caso a policia".

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A SNAP tem sede nos Estados Unidos e conta em seu cadastro com 21 mil membros, espalhados em 73 paises. A partir de 2011, Blaine comecou a reparar que o sofrimento vivido por outras vitimas no resto do mundo era semelhante.

A ideia, segundo ela, e tentar ajudar as vitimas para que possam superar seus traumas – muitas nunca tiveram coragem de falar com suas familias. A BBC Brasil foi convidada para participar de um dos encontros de vitimas em Nova York.

A ativista norte-americana Barbara Blaine na infancia, epoca em que sofreu abusos

No porao de um edificio antigo proximo a Times Square, bem no centro agitado de Manhattan, um grupo de cerca de 10 pessoas se reuniu para compartilhar suas historias, lembrancas e superacoes poucos dias antes da chegada do papa Francisco a Nova York.

Eram desconhecidos e de diferentes idades. O que os unia era o fato de todos terem vivido situacoes de violencia sexual cometida tanto por freiras ou padres na infancia.

"O que aprendemos dentro dos grupos de autoajuda e que o nosso proprio processo de cicatrizacao depende da forma como ajudamos a prevenir que outros casos acontecam. E uma forma de empoderar as vitimas", explicou Blaine.

Hoje muitos se perguntam o paradeiro dos autores dos crimes. "A maioria descobriu que os religiosos foram removidos para outros locais, mas que continuam trabalhando com criancas", disse.

Sobrevivente de Milwaukee

"Sempre quis ter resposta a seguinte pergunta: uma mulher nao pode se tornar padre, um homem casado tambem nao, mas, por que, de acordo com as leis da Igreja, um pedofilo pode ser padre?", questiona Peter Isely.

Seu sonho quando crianca era tornar-se sacerdote. Logo cedo, aos 8 anos, Isely foi enviado pela sua mae a um seminario em Wisconsin, no centro-oeste do pais. Era o desejo e seria o orgulho de sua mae que o menino, criado numa familia catolica, garantisse o futuro no sacerdocio.

Seu sonho foi brutalmente frustrado. Adolescente, se tornou uma das 200 vitimas do escandalo de pedofilia no condado de Milwaukee.

Peter Isely foi uma das vitimas de escandalo em Milwaukee e hoje e ativista da SNAP

Pelo menos 45 sacerdotes de Milwaukee enfrentam acusacoes de abuso sexual entre os anos 1950 e 1970. Um dos sacerdotes processados e suspeito de ter molestado cerca de 200 meninos com deficiencia auditiva.

O papa Francisco disse, em ocasioes, ter vergonha desse episodio macabro na historia da Igreja Catolica.

Isely tinha 13 anos quando foi violentado diversas vezes. "Havia dezenas de violadores. Eramos estudantes e viviamos em dormitorios, entao nao tinha como escapar. Usaram a nossa fe para nos molestar. Foi a fe que nos tornou vulneraveis."

Hoje, passadas mais de tres decadas, ele nao teme falar abertamente do caso. "A primeira vez que uma vitima relata a sua historia a gente nunca esquece. Depois, senti uma grande responsabilidade em fazer algo para evitar que mais criancas fossem molestadas", disse.

Ele atua como terapeuta e, junto com Barbara Blaine, ajudou a fundar o SNAP. Na sua opiniao, o papa Francisco tem demonstrado vontade de mudar, mas na pratica as leis continuam as mesmas.

"Assim como um medico pode perder a licenca se comprovado um erro grave, isso deveria tambem se aplicar a um padre se comprovado que cometeu um crime. Os padres deveriam ser responsabilizados. As leis da Igreja nao protegem os fieis e as vitimas e, sim, os clerigos."

Perguntado se perdeu a fe, Isely e categorico: "mais importante que a fe e o amor. Talvez eu tenha perdido a fe, mas recuperei o amor que tinha quando crianca, a inocencia que foi tirada de mim".

Procurada pela BBC Brasil, a Missao Permanente de Observacao da Santa Se na ONU nao se pronunciou.

 

 

 

 

 




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