| Padres Belgas Acusados De Pedofilia Abrigam Jovens No Brasil
By Chico Siqueira
The Terra
February 10, 2015
http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/padres-belgas-acusados-de-pedofilia-abrigam-jovens-no-brasil,f9bd19b490ee9410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html
Acusados de pedofilia pela igreja Catolica da Belgica, dois padres deste pais, residentes no Brasil, cuidam ha decadas de criancas brasileiras. Entidades de direitos humanos e autoridades religiosas belgas alertaram sobre o perigo que isso representa, mas os dois permaneceram anos cuidando dos jovens sem o acompanhamento de autoridades civis e religiosas do Pais.
|
Padre Jan Mathieu Van Dael, da ordem dos sacerdotes Sagrado Coracao de Jesus (SCJ), e responsavel ha mais de 20 anos pelo Sitio Esperanca da Crianca, na praia de Pernambuco, em Caucaia, proximo a Fortaleza (CE) Foto: Torill Hallien/Noruega / Divulgacao
|
Um dos padres, Marc Dacuypere, e responsavel pela Paroquia Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, de Mata Escura, Salvador (BA), e capelao em uma escola catolica de ensino regular da capital baiana. O outro padre, Jan Mathieu Van Dael, da ordem dos sacerdotes Sagrado Coracao de Jesus (SCJ), e acusado de abusar de adolescentes brasileiros em uma instituicao beneficente que possui, na praia de Pernambuco, em Caucaia, na regiao de Fortaleza (CE).
Os dois padres estao no Brasil desde o inicio dos anos 1990. Entre 2010 e 11, ambos foram a Belgica responder por denuncias de abuso sexual contra criancas abrigadas em instituicoes catolicas daquele pais, nas decadas de 70 e 80. Porem, os dois foram beneficiados com a prescricao da punicao dos crimes pelas leis locais e puderam retornar ao Brasil, onde continuaram trabalhando livremente, apesar de alertas feitos pelo Bispado de Bruges e pela Rede de Sobreviventes de Pessoas Abusadas por Padres (SNAP) sobre os riscos que as criancas brasileiras estariam correndo.
Padre e suspenso pela igreja belga
Na ultima terca-feira, 25, Marc Dacuypere foi afastado pela igreja belga. O bispo de Bruges, Josef De Kesel, decidiu suspende-lo preventivamente ate que se explique, a uma comissao de peritos especializados em crimes sexuais, sobre a acusacao de ter abusado de um menino e uma menina na decada de 80, quando era professor de uma escola catolica da regiao. Em 2010, Dacuypere foi chamado para responder sobre a acusacao, negou tudo, mas o processo nao foi concluido devido a prescricao da punicao dos crimes prevista pela legislacao belga.
|
Marc Dacuypere (esquerda), em evento na Paroquia Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, de Mata Escura, Salvador, com a radio da arquidiocese Foto: Excelsior840.blogspot.be / Divulgacao
|
“O bispo lhe impos uma suspensao preventiva, medida que permanecera ate que a investigacao seja concluida”, disse a imprensa belga o porta-voz do bispo, Peter Rossel. Ele lembrou que as acusacoes foram barradas e, por isso, a investigacao foi abandonada em 2010. Na ocasiao, segundo ele, De Kesel alertou as autoridades religiosas brasileiras sobre os riscos do retorno de Marc Dacuypere ao Pais.
O “dossie Marc D.”, como o caso e chamado na Belgica, veio a tona novamente devido a revelacao de outros dois casos de religiosos, acusados de pedofilia, transferidos de paroquias por De Kesel. A sociedade belga passou a pressionar o bispo para que esclarecesse o caso e uma comissao de peritos da igreja foi criada para analisar as denuncias. Enquanto isso, Marc fica afastado das suas atividades religiosas.
Arcebispo defende padre
No Colegio Marista Sao Marcelino Champagnat, de Patamares, Salvador (BA), que mantem classes de ensino maternal, infantil, fundamental e medio, o diretor Jose Jorge Ribeiro Meirelles disse desconhecer as acusacoes contra “padre Marcos”, como e conhecido o capelao da escola.
“Nao sei nada disso e nao posso comentar o assunto”, disse ele, desligando o telefone. Mas o arcebispo de Salvador, Primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, defendeu Marc Dacuypere, dizendo nao haver qualquer restricao contra o padre, que ja foi responsavel por tres paroquias e um centro educacional e profissional de criancas de dois a seis anos de idade.
Em carta enviada a reportagem do Terra, Krieger diz que, desde que chegou a Arquidiocese de Salvador, em 2011, nunca ouviu comentarios desrespeitosos contra padre Marc. “Nao ouvi falar nada contra a pessoa do Revmo. Sr. Pe. Marc Filip Decuypere, quer referente ao presente quer referente ao passado. Ele mesmo me colocou a par de acusacoes que, na Belgica, pesaram sobre sua pessoa; para responder a elas, esteve duas vezes em seu pais, em 2010 e 2011. Dessas acusacoes, nada resultou contra ele”, afirmou Krieger.
“As referencias que neste tempo de minha permanencia em Salvador ouvi a respeito desse sacerdote foram sempre positivas, com destaque para o seu zelo pastoral e sua atencao aos mais necessitados”, afirmou Krieger, lembrando tambem que Marc foi elogiado pelo cardeal Geraldo Majella Agnelo. “Quando era arcebispo, ele assinou uma declaracao ressaltando que Pe. Marc sempre mereceu a admiracao dos outros sacerdotes, oferecendo um ministerio de testemunho com irrestrita aprovacao das comunidades”.
Marc Dacuypere nao quis falar com a reportagem. No dia 19 de novembro, ele pediu afastamento de suas funcoes no Brasil e viajou para a Belgica, onde, nesta terca-feira, 25, foi suspenso de suas atividades pelo bispo de Bruges, Josef De Kesel.
Padre suspeito cuida ha decadas de abrigo de adolescentes
O outro padre, Jan Mathieu Van Dael, e responsavel ha mais de 20 anos pelo Sitio Esperanca da Crianca, um abrigo com dezenas de adolescentes pobres, na praia de Pernambuco, em Caucaia, proximo a Fortaleza (CE). O Conselho Tutelar de Caucaia recebeu esta semana mais uma denuncia contra Jan, agora pelo disque 100, da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, e devera vistoriar a entidade beneficente ainda nesta semana.
A instituicao funciona de forma clandestina ha quase dez anos, sem atualizacao de cadastro no sistema de entidades sociais do municipio e oficialmente estaria fechada desde 2013, informou a Prefeitura de Caucaia. Nao e a primeira vez que o Conselho Tutelar de Caucaia apura denuncias contra o abrigo de “Pai Jan”. “Ja houve outras denuncias, mas os meninos deixavam a entidade e desapareciam quando iam confirma-las”, contou o conselheiro tutelar James Barros. “Houve uma vez que ate a Policia Federal foi la, mas acho que nada foi comprovado”.
Jan foi acusado por cinco homens, entre 38 anos e 46 anos, sem ligacoes entre si, de cometer abusos quando eles eram internos de abrigos da Igreja Catolica na Belgica, na decada de 1970. Devido as denuncias, por 12 anos Jan foi transferido de paroquias da Belgica, ate viajar para o Brasil em 1989, indo inicialmente para o Rio de Janeiro, de onde tambem teve de sair, ate chegar a Caucaia, onde fundou o Sitio Esperanca da Crianca.
Em 2010, Jan respondeu pelas acusacoes feitas pelas cinco vitimas, mas a punicao pelos crimes foi prescrita pela legislacao belga e ele retornou ao Brasil. Autoridades civis e religiosas brasileiras foram advertidas pela Igreja Catolica belga e pela associacao Rede de Sobreviventes dos Abusos Praticados por Padres (SNAP) de que as criancas brasileiras estariam correndo riscos, mas, mesmo assim, o abrigo de Jan nao sofreu qualquer restricao de funcionamento.
Segundo a SNAP, isso ocorria porque sua instituicao, chamada de Sitio Esperanca da Crianca, “esta localizado em uma area remota, longe de qualquer controle social”. Em uma carta enviada a embaixada brasileira em Bruxelas, a SNAP pede para a Policia Federal (PF) “realizar uma investigacao completa sobre os crimes de um homem que foi acusado de abuso sexual de menores, tanto no seu pais como na Belgica”.
Pai Jeanne
Apesar disso, os supostos abusos cometidos por padre Jan no Brasil nao foram investigados ou comprovados, mas duas jovens voluntarias belgas que vieram ao Pais trabalhar no abrigo de Caucaia retornaram a Belgica apos constatarem que Jan tambem abusava de jovens brasileiros.
Elas contaram a Gazeta de Antuerpia que meninos brasileiros relataram abusos e que Jan costumava gastar altas somas de dinheiro em roupas de grife com seus adolescentes “preferidos”. Vitimas do padre contaram que o chamavam de “Pai Jeanne”, devido a sua preferencia por meninos e ao habito de colar fotos de rapazes na parede do quarto.
Arcebispo diz que nao tem ligacao com padre
Padre Jan nao foi localizado pela reportagem. Nenhum dos numeros de telefones que seriam dele e de seus superiores foram atendidos. No site da Arquidiocese de Fortaleza, padre Jan esta na lista de parocos e presbiteros, mas o arcebispo de Fortaleza, Dom Jose Antonio Tosi Marques, diz que ele nao tem ligacao com sua arquidiocese.
“Ele nao e ligado a nos, ele e de uma ordem, do Sagrado Coracao de Jesus (SCJ). Ja ouvi falar dele, mas nao sei o que ele faz”, afirmou. “Trabalho ha mais de 23 anos aqui e nunca vi esse padre”, disse a coordenadora de comunicacao da arquidiocese, Marta Andrade.
Segundo a assessoria da arquidiocese, o responsavel pelo padre no Brasil seria o padre Francisco Belarmino Gomes, lider da SCJ na regiao, mas ele tambem negou qualquer relacao com o padre. “Eu soube da existencia dele, mas o vi apenas uma vez. Ele e da SCJ, mas nao e ligado a ordem brasileira, possivelmente e da SCJ da Belgica”, afirmou. A reportagem enviou e-mail para a sede da SCJ de Roma, mas nao houve resposta ate esta quarta-feira, 26.
|